Coluna do Abbehusen: "Ser telejornalista"
"Como você está se sentindo?" - pergunta a repórter a um parente da vitima da tragédia em Santa Maria.
Por Edgar Abbehusen
Desde o dia da tragédia em Santa Maria, faço questão de acompanhar a cobertura através das principais emissoras do país por vários motivos: Minha grande paixão pelo telejornalismo - e isso não está somado ao fato de "aparecer na televisão e, sim, por produzir, preparar, editar uma matéria completa. Sempre fiz isso.
Olhei atentamente por diversos ângulos (emissoras) casos como o da Isabela Nardoni, do menino João Hélio, da tragédia da TAM, o caso de Realengo e, como na época eu ainda não tinha senso critico para o assunto, posso rever no youtube coberturas do 11 de setembro, morte de Ayrton Senna, etc.
E agora você pode pensar: "Nossa, esse cara deve ser um "carniceiro"!" E eu lhe respondo: Não tem nada haver com o fato de você gostar ou não de tragédias, mas de eu ter chegado a conclusão, até antes de eu entrar na faculdade de jornalismo, sobre a parte mais dura e cruel de um telejornalista: O de estar diante das câmeras, em meio ao caos, e aparentar controle emocional. Ser coerente com perguntas. Ter o raciocínio rápido de fazer a pergunta certa a mãe de um morto, ao amigo de um morto, ter a frieza de perguntar aos sobreviventes como foi estar no inferno e sair vivo dele...
Pude ler alguns comentários nas redes sociais o relato de pessoas que, indignadas, questionavam o "sensacionalismo" da mídia diante da tragédia. Falavam das perguntas frias aos vitimados e outros chamados "momentos de oportunismo" diante da dor de terceiros. Essa linha tênue entre levar a informação e levar vantagem em cima dela talvez seja o momento onde os telejornalistas sejam mais injustiçados. E, pelo amor de Deus, não estou falando aqui de programas diários de tv que ficam na porta da delegacia esperando a "merda" chegar. Estou falando de algo maior, de uma tragédia nacional com repercussão mundial.
Ontem, encerrando minha analise pratica sobre o caso - pois hoje acordei e decidi a não mais ver/ler nada sobre "Santa Maria", acompanhei a cobertura do Jornal da Globo, uma das mais brilhantes, suscitas e claras de todo o dia. Christiane Pelajo fez todo o telejornal de frente a boate Kiss, local da tragédia, e o seu companheiro de bancada, William Waack, dos estúdios da Rede Globo.
Com os olhos cheios d'agua, aspecto abatido, carregado, Christiane discursava o que ela conseguiu de novidade durante um dia inteiro, onde todas as atenções, de todo o mundo, estavam voltados pra ali, exatamente de onde sua imagem era transmitida. A voz, que de vez em quando ficava embargada após a exibição de um depoimento de um sobrevivente, de um parente ou amigo, mostrava, com sensibilidade, que não estava sendo fácil.
Tirando a disputa de audiência de foco, o sensacionalismo (que claro, existe), o poder de manipulação da mídia, são nesses momentos que podemos e devemos enxergar eles como seres humanos.
O que mais me impressionou foi o abatimento de um ancora que dificilmente tem o seu lado emocional expressado na apresentação do telejornal: William Waack estava perceptivelmente triste.
Foi aí que eu lembrei do que tinha lido nas redes sociais durante todo o dia, sobre a repórter que pergunta a um parente da vitima ou sobrevivente da tragédia: "Qual é o seu sentimento neste momento?!"
E eu agora pergunto: e você? Qual brilhante pergunta iria elaborar nessas circunstâncias, se por profissionalismo tivesse que estar com uma câmera ligada, tendo que dar conta de uma matéria para o jornal do meio dia? E eu lembro que, das diversas vezes em que tive que consolar um amigo pela perda de um pai, de um irmão... Ou quando tive que me aproximar de um pai que tinha perdido um filho, fiquei sem palavras e só abracei. Não há o que se dizer. Não há palavra que conforte uma dor tão cruel. Não dá pra ser brilhante. Coerente.
Mas a profissão exige respostas. E o telejornalista tem que perguntar. E o diferencial em uma cobertura tão complexa como essa está exatamente em procurar um parente, um amigo, um sobrevivente... Procurar um jovem que estava com o ingresso em mãos, mas pelo pedido do pai deu meia volta e ficou em casa. Com o microfone o telejornalista procura histórias para montar a sua matéria, e é esse diferencial que a gente espera sentando em nosso sofá.
Agora, exigi coerência em perguntas, diante de um caos, é um pouco insensível com a profissão. Estar ali é necessário. Colher é necessário. E são as perguntas - mesmo que idiotas - que nos fazem chegar a informações ainda não apuradas. Uma novidade.
Ontem, no Mais Você, a repórter conseguiu que uma mãe fizesse uma participação ao vivo no programa. A mãe estava no Ginásio velando um dos filhos. O outro estava internado em Porto Alegre, em estado grave. Não tinha como não se emocionar. Aquela cena era resultado de uma sinergia, que vai desde a produção nos estúdios do programa, ao local que estava sendo velados mais de 200 vitimas.
E eu fico imaginando aquela repórter perguntando: "Como você está se sentindo?" ou "Como foi estar dentro da boate?". Na faculdade a gente vai aprendendo a ser coerente. Assim como em qualquer academia, a gente aprende a ser lógico, a agir com razão. Só que, como em qualquer outra profissão, a pratica exige mais. Ninguém faz jornalismo desejando cobrir tragédias. Mas se somos jornalistas temos esse dever de levar a informação - com responsabilidade.
Aquela simples pergunta - que para alguns foi tão idiota - faz com que seja construída, em detalhes, para milhares de brasileiros que estão tão distantes da tragédia, a emoção de sentir a dor. De dividir a dor. De ser tocado pela dor. A simples pergunta, que de idiota não tem nada: "Como você está se sentindo?" - é complexa demais.
Não tem como levar a noticia fria. Morreram 230 pessoas e pronto. Foi um incêndio na boate e pronto. É preciso construir a matéria. É preciso contar a história do casal de namorados que morreram abraçados. É preciso colher o depoimento de uma mãe, que, claro, esteja disposta a compartilhar a sua dor.
O Brasil está de luto. É fato.
Na minha memória vai ficar a seguinte imagem: 15 mil pessoas andando pelas ruas de Santa Maria, orando, as vezes aplaudindo em homenagem as vitimas, e cantando o hino nacional. O hino que tanta gente ainda não aprendeu. O hino de um país do qual ser honesto é ser sobrevivente. O hino de um país que as leis são tão incoerentes. O hino de um país que hoje chora por sua própria inoperância.
Parabéns aos telejornalistas.
Coluna do Edgar - Mídia Recôncavo
Coluna do Edgar - Mídia Recôncavo
Marcadores: colunaedgar
0 Comentários:
Postar um comentário
Assinar Postar comentários [Atom]
<< Página inicial