No dia do protetor das viúvas, rua intriga moradores de Santo Estevão
A aposentada Elisabeth de Araújo é uma mulher prevenida. Tanto que, aos 60 anos, tratou de pagar o seu próprio plano funerário. Depois das parcelas quitadas, garantiu um mausoléu exclusivo no cemitério. Tinha certeza que partiria antes do marido. Dona Elisabeth só se esqueceu de uma coisa: é moradora da Rua Coronel João de Deus, conhecida como a Rua das Viúvas.
Localizada em Santo Estevão, a 150 km de Salvador, a João de Deus também poderia se chamar Rua de São Pedro, o padroeiro das mulheres que perderam seus maridos - celebrado hoje pela Igreja Católica. A via de paralelepípedos, com pouco mais de 100 metros de extensão, já chegou a ser o endereço de 18 viúvas. De uns anos para cá, algumas morreram, outras adoeceram e mudaram para a capital. Mas nove senhoras que enviuvaram ainda moram por ali.
Dona Elizabeth é a caçula delas. Seu Neném morreu vítima de enfisema pulmonar no último dia 17. “Nunca pensei em ser viúva nessa vida. Não acreditava muito nesse mito da rua. Meu marido menos ainda. Não ligava para nada. Dizia até que eu era doida de comprar caixão antes de morrer. Deu no que deu”, disse Elisabeth, que levou 34 anos casada. “Não sou uma católica muito praticante. Mas agora São Pedro tem seu lugar”.
Localizada em Santo Estevão, a 150 km de Salvador, a João de Deus também poderia se chamar Rua de São Pedro, o padroeiro das mulheres que perderam seus maridos - celebrado hoje pela Igreja Católica. A via de paralelepípedos, com pouco mais de 100 metros de extensão, já chegou a ser o endereço de 18 viúvas. De uns anos para cá, algumas morreram, outras adoeceram e mudaram para a capital. Mas nove senhoras que enviuvaram ainda moram por ali.
Dona Elizabeth é a caçula delas. Seu Neném morreu vítima de enfisema pulmonar no último dia 17. “Nunca pensei em ser viúva nessa vida. Não acreditava muito nesse mito da rua. Meu marido menos ainda. Não ligava para nada. Dizia até que eu era doida de comprar caixão antes de morrer. Deu no que deu”, disse Elisabeth, que levou 34 anos casada. “Não sou uma católica muito praticante. Mas agora São Pedro tem seu lugar”.
Na verdade, São Pedro sempre teve
seu lugar ali. Antes mesmo do mito das viúvas, uma festa animadíssima
era organizada na rua, nas noites de 29 de junho. Uma a uma, de forma
impressionante, as mulheres foram enviuvando. Mais que nunca, a rua das
senhoras sem marido tinha que reverenciar o protetor. Faz 5 anos que não
acontece a festa. Mas as viúvas, a fé no santo e, principalmente, a
mística em torno do assunto, ficaram. “Nós somos quem menos se preocupa.
Mas tem muita gente cismada”, diz a aposentada Célia Maria da Silva, a
dona Suca, 67 anos, 15 de viúva.
Superstições - Dona
Suca tem razão. O que muitos consideram uma simples coincidência é
coisa séria para algumas pessoas. A rua das viúvas é cercada de
superstições. Crendice ou maldição, fato é que é difícil encontrar um
homem casado que queira morar na Coronel João de Deus. Há casos de
abandono da rua.
Cismado, Aécio Lopes, 52 anos,
casado há 27, foi embora antes que fosse tarde. “O vizinho da casa ao
lado morreu e deixou a mulher. Aí pensei: é hora de sair daqui”.
Mudou-se para bem perto, na Rua Benjamim Constant. “Só vejo os cortejos
dos enterros saindo das casas de lá”, conta.
Apesar de tudo, o caminhoneiro
Eduardo Pires da Rocha, 34, insiste em ficar. Para os amigos, ele é o
próximo a receber as chaves do céu de São Pedro. É que Eduardo, casado
com Silvia, mora com a sogra, a dona Suca - que é viúva. Além disso, as
duas irmãs de dona Célia também são viúvas. E a mãe das três, dona Bite,
morreu viúva há 1 ano e meio. “Tudo bem. Moro em uma casa de viúvas.
Mas lá tem uma mulher que jamais há de ser”, aposta Eduardo,
referindo-se à própria esposa.
Conta-se que um casal desavisado
chegou a cancelar um contrato de aluguel quando ficou sabendo da fama.
Eles tinham adiantado dois meses de pagamento ao dono da casa e
abandonaram o lugar com menos de 30 dias. O marido ficou com medo.
Em uma das casas da Rua João de
Deus, a de número 75, há uma placa escrito “vende-se” e dois números de
telefone. Ali morou dona Ruth, que morreu viúva no ano passado. “Os
filhos ainda não tiveram nenhuma proposta. Aqui é difícil alugar e
vender imóvel”, dizem os vizinhos.
Pretendentes - Nenhuma
das viúvas voltou a se casar. Há quem aposte que os homens querem
distância das senhoras daquela rua. Mas a professora aposentada Célia
Rodrigues de Sousa, 68, contesta. Viúva há 17 anos, revela que elas é
que não têm pretensão de buscar pretendentes. “Casar de novo para quê?
Hoje em dia não existe mais casamento de verdade. Estou bem com minha
viuvez”.
Por outro lado, ninguém se
esquece de seu Tercílio, que morreu no ano passado com 90 anos. Nascido e
criado na rua das viúvas, nunca casou. “Vou casar para deixar mulher
para os outros?”, justificava.
Há as casas que ficam nas
esquinas, nas duas saídas da rua. Os vizinhos explicam que os moradores
fizeram questão de construir portões secundários, voltados para os
outros endereços.
Em uma dessas casas moram Sinval
Pimentel e Neuracy de Cerqueira, juntos há 47 anos, um dos raríssimos
casais da rua. “Ofereci uma casa aqui para meu compadre e ele disse que
não vinha por nada. Mas eu não tenho o menor receio. Não acredito nessas
coisas”, disse Sinval, cheio de coragem. Aí é fácil, seu Sinval.
Festa tinha até desfile de viúvas - Viuvez
não é sinônimo de tristeza e sofrimento. Foi a alegria e o bom humor
das viúvas da Rua Coronel João de Deus que tornaram a festa de São Pedro
um evento concorrido em Santo Estevão.
Moradores ornamentavam suas
casas, comidas típicas garantiam a fartura e quadrilhas de danças eram
organizadas. Mas o ponto alto da festa era sempre o desfile das viúvas.
“Não era questão de festejar a
viuvez. Mas a festa mostrava que estávamos vivas”, explica a viúva Célia
Maria da Silva, a dona Suca. Todas lamentam o fim da tradição, com
origem na década de 1970.
“Bons tempos aqueles. Hoje, o
pessoal tá meio desanimado, algumas viúvas morreram, outras estão
doentes, mas quem sabe a tradição não volta um dia?”, acredita a
professora Célia Rodrigues de Sousa. Os moradores afirmam que o prefeito
atual desvalorizou e deixou de apoiar a festa que acontecia na rua.
Apesar da mística que envolve a
festa de São Pedro na Rua das Viúvas, ela tem o apoio do padre da
cidade, Luciano Curvelo. “Não tenho essa superstição, mas acho positivo
por envolver a história, a cultura e a fé das pessoas”, diz.
A associação de São Pedro com as viúvas não é bíblica. Tem origem popular.
Espécie de multipadroeiro, o
primeiro papa da Igreja Católica é também protetor dos pescadores, já
que essa era a sua profissão O santo também tem forte ligação com
aqueles que desejam comprar casa própria, já que é tradicionalmente o
guardião das chaves dos céus. É bom lembrar que, no calendário litúrgico
da Igreja, o dia 29 de junho é também dedicado a São Paulo.
‘Ele morreu para mim’, diz viúva de marido vivo - Quer
uma missão difícil? Encontre um casal na Rua Coronel João de Deus.
Naquele endereço, as senhoras que não são viúvas são separadas. “Eu
também sou viúva, só que de marido vivo”, repete por aí Maria Conceição
Velame Teles, 73 anos, moradora da casa 108. Os dois brigaram feio e ele
saiu de casa.
Dona Conceição continuou morando
na rua. “Para mim, como marido, como homem, ele já morreu. A não ser que
virasse um Giannechini”, brinca, entre gargalhadas. Não é a única. São
várias as mulheres vivendo sozinhas na mesma rua. “Aqui quem não é viúva
de marido morto, é de marido vivo”, insiste Conceição, que posa para
foto como uma viúva, com uma imagem de santo nas mãos.
Outra coincidência é que boa
parte das viúvas tem a mesma profissão. São professoras aposentadas. “É
que na época era a profissão da moda. Como a maioria tem idades
parecidas, acaba tendo a mesma profissão”, explica dona Violeta Urbano,
70, viúva há 32 anos e ex-professora. A Rua das Viúvas é uma das mais
antigas da cidade. Também é conhecida como Rua do Padre. Por muitos
anos, o monsenhor Waldir residiu na casa 134, justamente na Rua das
Viúvas. Informações do Correio da Cidade
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